Até que a liberdade os separe

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Sob nossos narizes converte-se o modelo de família. Dita assim esta frase, parece que já vou enveredar pela sexualidade dos pais, ou pela durabilidade das relações. Mas não. É mais grave. Não se trata da forma, mas do conteúdo! Análise que ocupou séculos da Filosofia, e que contemporaneamente foi feita ser um pequeno detalhe no universo dos interesses mercadológicos. Vejamos só o mundo atual.

A mãe da criança é a tv; o pai, o playstation. Isso pode muito bem combinar com uma ligeira adaptação de “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley. E o que é a família então? Ela é assistente educacional, nas pouquíssimas horas vagas entre um e outro compromissos. A programação televisiva matura a percepção sexual, desperta a libido, a competição, a agressividade e transmite valores que o dono da mídia seleciona como mais rentáveis ao negócio publicitário (não há mais Imprensa; há Publicidade: a verdade é apenas um interesse tergiversal); o playstation, por sua vez, fornece a experiência sintética da relação com o meio e as forças naturais. A fantasia, por via desse binômio – tv e jogo eletrônico – está completa. E passamos a gerar sujeitos dignos de uma linha de montagem: funcionais, robóticos, porém inumanos, prontos a chocar-se contra, e a desarmonizar a comunidade real.

Existe vida além do mercado?

Amigos, eu lamento muito desapontar os que pensam na Educação como meio utilitarista, notavelmente para gerar ‘máquinas’ produtivas e comerciais. Aliás, mesmo assim tem sido um desastre nosso sistema: que péssimas máquinas! Todos esses índices numéricos como IDEB e ENEM de nada mais servem do que para induzir políticas públicas, quando muito. Servem também para mensurar o trabalho desalmado de muitos ‘mestres’, que não mais medem o ‘sucesso’ na vida das crianças, senão nos números estatísticos. Vários povos experimentaram o pleno emprego de recursos na produção, como a Inglaterra da Revolução Industrial. Mas essa ocupação ‘plena’, que hoje cega, mas ignorantemente ainda se persegue, no máximo causaria o exaurimento das forças sociais e dos recursos ecossistêmicos, restringindo pessoas à natureza de máquinas, de um lado, e de consumidoras vorazes, do outro…

É esta a síntese do pensamento humanista contemporâneo, notável em Aldous Huxley e Hannah Arendt. Aliás, desde o trabalhismo varguista, é urgente: Educação deve servir a propósitos maiores que o trabalho. Não há um só componente da produção massiva que “humanize”.

Inclusive, a educação deve preparar o homem com essas cautelas: formando e informando sobre as limitações máximas de sentido que se deverá atribuir ao trabalho. Uma Educação saudável também pregará que a subsistência de um “ser completo”, por sua vez, vai além da produção do lucro material e da felicidade ilusória, repisada pelas mídias de massa.

Recursos e sistemas educacionais em contexto de desemprego e subemprego costumam viciar-se na direção única do emprego, assim como, em regiões de urbanismo precário, tende-se a colocar o futuro das crianças a serviço de um progresso numérico, pobre, materialista.

Tais inspirações de nada mais padecem do que da tacanha visão economicista moderna. Por essa corrente, intenta-se ir no repuxo da riqueza, como se a “animalidade” despertada na consecução pragmática da “prosperidade” pudesse, num dado momento do progresso, refletir e refrear-se em busca de um sentido maior para o que se faz… Não cabe esse otimismo: a orientação industrialista é um caminho sem volta; não teremos humanos ao fim desse processo.

Uma cidade pode estar erguida, a rigor dos conceitos urbanísticos mais modernos, e, no entanto, nunca ter alcançado satisfatório grau de “civilização” humanística. O processo que ignora o ser humano, aliás, é o fundo corriqueiro das mais brutais desigualdades.  A Educação, no sentido proeficiente, nobre, é o processo holístico que envolve o ser, desde o ventre materno, até o idoso dignificado, que restou sábio o suficiente para expressar-se e semear sua sabedoria.

Imaginação versus alienação

Vivo meus dias neste intrigante exercício de fugir da imaginação que aliena – tão usada como vicioso recurso de mídia – mas sabendo o quanto é caro o “sonho”. Inevitavelmente, vou à conclusão de distinguir as diferentes formas ficcionais aplicadas, por exemplo, à literatura. É, sobretudo, por este caminho que se pode encontrar a substancial diferença entre medíocres e louváveis escritores.

Assim, nem há que se comparar Paulo Coelho a Saramago; aliás, nem se cometam tais sacrilégios! Saramago é “santo”, na profundidade de uma literutura que “sonha” influir para a justiça, enquanto Paulo Coelho, afora o mérito de ser todo trabalho “sagrado”, rabisca lá suas “grades”, pois quanto mais “assanha” e “adula” as particulares psicologias, mais desobriga o homem de agir pelo nivelamento democrático, pela justiça socialmente concebida. Afinal, prevalece o que está no “mago” português: ou a tristeza do mundo nos constranja, ou a alegria do mundo nos satisfaça. O que a constatação da miserável realidade não mais acolhe é que condicionemos o “retrato” do mundo às lentes ilusórias de nosso egoísmo “auto-ajudado”.

Toda criação tem suas origens nas tradições culturais, porém se desenvolve plenamente em contacto com outras. Essa é a razão pela qual o património, em todas suas formas, deve ser preservado, valorizado e transmitido às gerações futuras como testemunho da experiência e das aspirações humanas, a fim de nutrir a criatividade em toda sua diversidade e estabelecer um verdadeiro diálogo entre as culturas.

(Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural, Artigo 7 – Unesco)

Obviamente, seria blasfemante comparar Franz Kafka a Sidney Sheldon, Audows Huxley a Gustave Flaubert, embora ninguém questione a genialidade literária deste último, a exemplo. Aliás, de Flaubert tenho anotadas as dicas de persecução à prosa “perfeita”. Apenas pretendo dar á minha criatividade escritual a função reflexiva e contextativa que se requer no mundo injusto particularmente “captado” por minhas “lentes”…