Intromissão de um observador empírico no tema em que a ciência diverge, com ganhos para o… capital

Sempre desconfiei dessa tese de que devemos comer uma infinidade de alimentos em quantidades ‘x’: se somos onívoros, isso significa que ‘podemos’, e não ‘devemos’, comer de tudo. Ora, será que ‘evoluiríamos’ biologicamente para pior, para a complexificação, em vez de para a simplicidade?

Lembro que uma vaca pode alcançar mais de 20 arrobas de tecidos, tão complexos quanto os nossos, comendo basicamente um tipo de vegetal… Não é isso que a indústria fitness, por exemplo, encoraja… 

Para ela, daqui a pouco o sujeito deverá comer músculo humano, para ser um humano musculoso, como se o laboratório químico que somos estivesse emburrecendo nessa jornada de evolução, com zero capacidade de transformação…

Mas deixa isso para lá, por enquanto, até que a idade média do capitalismo-consumista seja enterrado na História.

Sobre alimentação também, tenho estado intrigado mais ainda ultimamente, porque estivemos vendo, a partir da expansão econômica que sucedeu a Segunda Guerra, um discurso de que se deve comer de três em três horas. Isso virou um mantra da Nutrição e da Medicina, especie de religião geral.  E quem contrariasse, como eu, era tido como verdadeiro herege.

Agora, pasmem, noto uma onda inversa, defendendo que comer de 3/3h é uma loucura: o corpo precisa de intervalos de repouso; o aparelho digestivo precisa de ter “um tempo só para ele”, excretar, etc etc. Vejo também teses e teses sobre os efeitos milagrosos do jejum, coisa que há 20 anos depreciariam qualquer ‘especialista’.

O que quero dizer em suma, não é afrontar a ciência – que desconheço metodologicamente – mas valorizar a percepção empírica, que, muitas vezes, a sociedade pós-positivismo, soterrou. Mesmo o que nossas tradições consideravam premissas, a modernidade contrariou. Demonizaram o ovo, as gorduras animais, o leite, os carboidratos, etc, deixando que a indústria introduzisse ‘customizações’ de segurança questionável no lugar, através da propaganda.

Afinal, se a corrente higienista se difundir, contra todo o lobby da indústria alimentar, nada poderemos fazer para salvar o mundo da epidemia de obesidade e de acidentes vasculares que atravessa, com a velocidade necessária. Esses males têm estrita relação não apenas com os hábitos de atividades, mas especialmente com a dieta – e isso quem diz é a ciência, em raro acordo com a história humana.

Ressalto por fim que as informações, mesmo quando referendadas pelos papados científicos do Ocidente devem ser temperadas à luz de nossas tradições históricas. Muitas vezes vamos longe buscar as respostas que já estão sob nosso nariz. •

Roubaram a engrenagem e deixaram uma gravação automática rangendo em seu lugar

No sistema constitucional brasileiro, a ideia é o governo ‘controlar’ as atividades econômicas privadas e o Legislativo por sua vez controlar o governo, estando como mediadora dos eventuais conflitos a Justiça, numa engrenagem fechada, mútuo-regulada.

O amálgama moral desse sistema era inicialmente a ética cristianista (residual), depois a ética secular – quando da firmação do laicismo do estado –, e atualmente não se nega que a ética é a mais controversa: a capitalista.

Foi no contexto da difusão do capitalismo mundial que ocorreu, entretanto, uma grave disfunção nos mecanismos dessa engrenagem: o sistema econômico, na prática, ‘compra’ o governo e o governo compra o Legislativo, pois o patrimonialismo é a força que predomina.

Já a aparente inércia da Justiça veio sendo cultivada como um defeito doméstico, um mal necessário à harmonia e à ordem. Os conflitos atacados pela dama cega não são mais aqueles que perturbam a ordem republicana, mas a ordem derivada.

Esse cenário, de modo geral e na raiz, é causado pela maxivalorização que a sociedade de consumo atribui à acumulação de riquezas, em detrimento de outros valores morais e humanísticos.

Obviamente o acúmulo de riqueza num polo gera escassez no outro – a natureza é exaurível e finita –, e no lado pauperizado, a alta estimação da prosperidade, se não resulta em riqueza, acaba se justificando pelas necessidades vitais, pela propaganda e pela difusão do status dos ‘vencedores’.

Cabe ainda um ponto nessa lista de indutores de consumo que é a paradoxal ‘teologia da prosperidade’, que se espalhou como um rastilho no seio da maior religião do Brasil.

Considerando que a classe ‘culta’, em vez de culpar o sistema culpa os ‘eleitores’, vale também ressaltar uma afirmativa crucial à interpretação do sistema em que o povo resultou em ser o culpado-vitima: o que o estado sequestrado pelo capital pode inculcar na consciência popular é infinitamente mais potente do que aquilo que se transmite na relação de base ‘homem-comunidade-hereditarismo’ (conhecimento tradicional). Ciente desse poder, o mercado, a elite que os ‘cultos’ poupam, usurpa o estado, se apropria dos canais de informação, passando a induzir a formação de consumidores-eleitores, não cidadãos, na acepção republicana.

O ciclo de desfiguração do poder, portanto, antecede e sobrepõe-se ao simples gesto de apertar um botão de urna ou receber dinheiro para apertar tal e qual número. Quando negros e mulheres passaram a votar, por exemplo, o sistema já era de escolhas artificiais.

Critica-se a classe culta, leia-se média, por que ela não alveja a elite – posição que acredita poder um dia ocupar. Ela demoniza as vítimas, criando álibi para o opressor que almeja ser.

E o povo, essa massa que recebe da comunicação privada seu norte ideológico, tem tão somente a chance de votar naqueles que melhor se sucedem nesse ciclo de negociações opacas e espúrias. •

Família tradicional brasileira

Vontade versus necessidade

“As pessoas não sabem o que querem até mostrarmos a elas”. (de Steve Jobs)

Frase símbolo do consumismo e da superfluidade, muito admirada pela sociedade-objeto, pois foi isolada do contexto original e apropriada pelo marketing.

É também o símbolo da futilidade de nosso tempo, do descartabilismo e da exploração exaurente da natureza.

Cabe perguntar-nos: tudo o que queremos, cuja ausência nos causa até frustração e infelicidade, é o que de fato precisamos?

Não vai longe o tempo em que nossos sonhos de criança eram plenamente executáveis quando fôssemos adultos… Mas algo interpôs-se em nosso caminho, de modo que só milionários e celebridades realizam hoje nossas exacerbadas ambições.

Está aí, talvez, o motivo de um mundo sempre festivo, mas sutilmente infeliz, pronto a explodir em violência.

Garotos brincam com pequena canoa de fibra na praia de Manguinhos, Búzios, Rio de Janeiro (Desconhecido, Ayron e Eric).

Garotos brincam com pequena canoa de fibra na praia de Manguinhos, Búzios, Rio de Janeiro (Desconhecido, Ayron e Eric).

A história da disputa pelos recursos públicos

A história do fluxo dos recursos públicos ─ o capital amealhado pelo estado dentre o povo, na forma de impostos e taxas ─ pode ser contada assim. O elemento-base desse fluxo é o trabalhador público. Cabe ressaltar que antes da República “trabalhadores públicos” talvez fossem a categoria mais vasta no mercado de trabalho, incluindo desde artesãos do reino, burocratas, cobradores de impostos até sujeitos portadores de títulos nobiliárquicos. Esta categoria distribuía recursos aos profissionais liberais, até o fim do séc. 19. Com o avanço do capitalismo industrial, o bolo oriundo do setor público passou a ser interceptado por empresas, em princípio antagônicas e adversárias do individualismo profissional. Depois de instituída a República (1889), políticos mandatários assumiram relevância no controle do caixa do estado. Elites empresariais então posicionaram representantes de seus oligopólios acima do serviço público, encaixando políticos patrocinados e garantindo a drenagem de recursos, que resultou no enriquecimento de segmentos da elite social e no aprofundamento das desigualdades.

Escola do Interior do Brasil

Imagem que simboliza a magnitude da educação popular brasileira, conforme o sistema a concebeu.

Explorados permaneceram o povo e os profissionais liberais, sendo que estes últimos alçaram-se à posição de uma classe média, quando essencial sua função, mas sua depreciação é crescente, embora se destacassem do povo. Com exceção da advocacia, salva pela complexificação da lei e da burocracia, os professores também são destronados de sua importância clássica, tendo inclusive dificuldade de se manter ‘médios’, jazendo sobre os pobres a algumas cifras de distância.

A depredação dos Serviços públicos

Pela ótica do trabalhador público, comprimido de fora pelos interesses econômicos que também brotam acima, através de políticos, o que há é um flagrante capitalismo de estado. Por essa verdadeira doutrina, os salários precisam ser arrochados, o estado deve ser mínimo; são criadas vedações à expansão da folha de pagamentos, etc, como se o endividamento público histórico fosse parar de modo generoso, no bolso do trabalhador. Do lado de fora, os profissionais liberais, agora chamados à carreira do estado, são cada vez mais subvalorizados: o médico, o professor, o engenheiro, etc. E desenvolvem também seus “cartéis”, chamados de órgãos representativos, conselhos. “Corporativismo se paga com corporativismo”.

Concentração da oferta de serviços básicos

E onde à esta altura estão os pobres? Estão sendo mais pauperizados: os médicos se voltam para os mercados ricos, os engenheiros se voltam para o faraonismo metropolitano, os professores, parte se engaja na educação “de qualidade”, requerida pelas elites, parte se engalfinha nas periferias e sertões, até um dia serem eles mesmos o povo oprimido. E gente sem cultura passa a redistribuir pouca cultura, um conhecimento amorfo, desculturado, uma educação sem dinheiro nem alma. Ah! O povo: ele jaz sem Medicina, sem urbanização, sem educação, sem poder político. E os recursos públicos continuam sua caudalosa corrente em direção, agora, às multinacionais, ou à grandes companhias nacionais.

Não se há de dizer que a desigualdade é ilegal!

Vamos de exemplo: quando se fez a Lei de Licitações, com objetivo de regrar a escolha dos destinatários da verba pública, as grandes empreiteiras acionaram seus lobbies. Homens doutos, cheios de princípios, entre eles a muito benquista “impessoalidade”, garantiram então que não haverá um nicho sequer no País onde o capital não possa entrar. A Lei 8666/93 não previu saúde, nem educação, nem a regionalização, que seria capaz de evitar a fuga de riquezas para os centros urbanos. Outro exemplo casado: quando se fez a Lei de distribuição dos royalties do petróleo, os homens doutos vetaram dispêndio com trabalhadores ou previdência social, como se o pretenso “desenvolvimento das cidades” passasse longe do desenvolvimento humano. Já as grandes corporações, elas estão livres, pelo conjunção dessas duas leis, a adentrar em cada rincão, e abocanhar dinheiro do petróleo em obras públicas.

A era da informação reforma o setor público ─ o povo quer a revanche

Para então concluir a saga, hoje a grande tensão social, pasmem com a contradição, é pelo ingresso na carreira pública. As razões? Várias. Citarei algumas. No enredo da evolução republicana, do ponto de vista econômico, o setor mais depredado foi o setor de serviços públicos, como discorremos. A arrecadação era para as elites. Não obstante isso, influências culturais exógenos, mais fortemente no pós-segunda guerra mundial, combinados ao avanço das tecnologias, sobretudo de comunicações ─ tevê, rádio, telefonia, etc ─ induziram mesmo o homem mais interiorano a exigir algo em troca de seu sacrifício tributário. Até então, como vimos, esse bolo era comido apenas pelos oligopólios. A pressão pela quantidade e qualidade na assistência, forçou os dirigentes políticos a pressionar a produtividade do setor público ─ eles não abririam mão, obviamente, de sua riqueza direta! Ocorre que essa produtividade tem um custo, e o custo maior é pago com o fornecimento de garantias ao servidor público, não necessariamente pecúnia. Daí resulta a explicação que muitos dão para pleitearem cargos públicos, apesar dos salários medianos: estabilidade. E note-se que, quando raro, somente profissionais liberais que alcancem força corporativista conseguem melhores resultados no setor público, quando não passam direto à função de políticos, ou algozes.

Resta então o desafio: como manter-se ético o indivíduo em meio a uma máquina estatal notadamente antiética, desumana e elitista?

Problema humano – África é humanidade

Segundo a OMS, na África há 14 milhões de crianças órfãs de pais vitimados pela AIDS. Nós que vemos um traço de co-dependência e identidade humana entre quaisquer sujeitos do Mundo, e não nos deixamos alienar, acreditamos que este é um problema HUMANO. Por sua vez, o imperialismo ocidental, cuja maior cabeça é os EUA, acredita que este é um problema AFRICANO. Parece não haver dúvida entre os estudiosos do assunto, que 80% da miséria africana é consequência do intervencionismo colonialista. 

Potências universais, com ganância nas riquezas daquele Continente, jogaram tribos e povos uns contra os outros, apoiaram ditaduras e genocídios… Com a exaustão de recursos naturais, ou com mudanças nas estratégias econômicas, os conflitos de interesse foram abandonados para serem resolvidos ou agravados por tribos e povos desestruturados, deformados, sem sistemas formais de saúde e de educação. Os 14 milhões de órfãos são, em decorrência disso, órfãos do Mundo, vítimas da geopolítica ocidental. •

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Homem Rico, Natureza Pobre

A crise econômica européia, além de evidenciar o poder do mercado de capitais sobre os governos, denuncia outra faceta, mais grave, que é a crise do “Estado de Bem-Estar Social”. Enquanto a desorganização econômica dos Subdesenvolvidos os restringia a meros fornecedores de insumos, o consumo e a luxúria dos países ricos estiveram resguardados.

Hoje, com o verdadeiro sistema de vasos comunicantes estabelecido pela Globalização, as massas sociais dos países pobres forçam o mercado de consumo e pressionam o governo em busca dos direitos propagandeados pela mídia mundial e paulatinamente introduzidos nos sistemas de direitos locais. Um terceiro ponto a ser observado é a pressão do consumo sobre a natureza e o meio natural.

Vale ressaltar que a riqueza nada mais é do que a transformação dos recursos naturais em produtos e valias, e que a ‘sustentabilidade’ é um conceito tão raso quanto uma poça onde as formigas passam com a água na canela.

A Fórmula do Poder Absoluto

Amigos, está sacramentado que a democracia é o menos pior dos sistemas. Estudamos isso, e é com esta verdade que a América tenta libertar os ‘oprimidos’ do mundo, nem que seja sob o fogo de suas bombas e conspirações. Mas, não obstante a falta de opções, nada custa analisar a democracia capitalista, pelo menos nos moldes desta, encontrada por aqui.

Vivemos uma sociedade legitimamente opressora, que exerce o poder através da MAIORIA. Esta massa vencedora é pretensamente quem governa, e vive cantada em versos, cada vez que exerce sua plena LIBERDADE, sua cidadania, nos colegiados, nos conselhos e nas eleições. Essa fração soberana costuma se chamar 50% mais 1, num esquema analiticamente simplificado, mas repleto de sentido estrutural. Exatamente este é a retrato aritmético do poder: 50% + 1.

Quando dispomos assim os dados, logo somos iludidos a crer que uma fina ‘camada’ permite a àquela classe eterna (49%) derrotar a outra (49%), pois o fiel da balança seria 1% mais 1, facilmente conquistável por ambas as partes. Então corremos às eleições – vamos vencer a elite! Doce ilusão esta. O topo da pirâmide é finíssimo, a base é enorme.

O problema tão complexo é historicamente elucidado à medida que olhemos pela ótica de Celso Furtado, quando ele assevera que “O Brasil é uma criação do Estado português. Não se trata de uma sociedade que construiu um Estado e sim de um Estado que constituiu uma sociedade.” E não seria difícil concordar com ele, através de nossa noção prática das coisas.

Porém, que sociedade “construída” é essa? Seria possível forjar uma sociedade inteira? Não seria algo grandioso demais? E, em um cruzamento truncado de variáveis, entendemos que garantir o controle nas mãos do 1% mais 1 foi um golpe de inteligência maquiavélica. Esta minoria iluminada, “fiel da balança”, é o topo da cadeia alimentar, segundo a antropofagia oswaldiana, e o topo da pirâmide, na visão marxista.

Pois então: ao contrário do que se pensa, o desafio da tirania minoritária é manter cativo os 49% que lhe falta, para constituir a democrática MAIORIA – e travestir-se de POVO.

Aí também se entende porque a Educação básica é um embuste para os pobres, mas oferece privilégios estratégicos para o 1% mais 1, que domina, enquanto a Educação Superior, onde esteve concentrado o gasto e a qualidade, manteve secularmente filtros que impedem o ingresso dos malformados na base discriminatória: é preciso ‘cozinhar’ os 49% (no mínimo), para contar com eles na sustentação de uma democracia à la portuguesa. Na Educação Básica são separados os eleitos para dominar e os predestinados a serem dominados.

Mas, como essa MINORIA se mantém por tanto tempo? Seria natural o governo dos melhores?

Você já ouviu falar em financiamento PRIVADO de campanhas políticas? Já ouviu dizer que a mídia brasileira está a serviço do capital? Então, anote a sentença: a maioria NUNCA será livre para influenciar nas decisões públicas, enquanto não houver uma verdadeira refoma política, porque a primeira providência do império é garantir que o poder seja refém do DINHEIRO, e zelar para que o dinheiro fique nas mãos de só 1% da Nação.

Existe vida além do mercado?

Amigos, eu lamento muito desapontar os que pensam na Educação como meio utilitarista, notavelmente para gerar ‘máquinas’ produtivas e comerciais. Aliás, mesmo assim tem sido um desastre nosso sistema: que péssimas máquinas! Todos esses índices numéricos como IDEB e ENEM de nada mais servem do que para induzir políticas públicas, quando muito. Servem também para mensurar o trabalho desalmado de muitos ‘mestres’, que não mais medem o ‘sucesso’ na vida das crianças, senão nos números estatísticos. Vários povos experimentaram o pleno emprego de recursos na produção, como a Inglaterra da Revolução Industrial. Mas essa ocupação ‘plena’, que hoje cega, mas ignorantemente ainda se persegue, no máximo causaria o exaurimento das forças sociais e dos recursos ecossistêmicos, restringindo pessoas à natureza de máquinas, de um lado, e de consumidoras vorazes, do outro…

É esta a síntese do pensamento humanista contemporâneo, notável em Aldous Huxley e Hannah Arendt. Aliás, desde o trabalhismo varguista, é urgente: Educação deve servir a propósitos maiores que o trabalho. Não há um só componente da produção massiva que “humanize”.

Inclusive, a educação deve preparar o homem com essas cautelas: formando e informando sobre as limitações máximas de sentido que se deverá atribuir ao trabalho. Uma Educação saudável também pregará que a subsistência de um “ser completo”, por sua vez, vai além da produção do lucro material e da felicidade ilusória, repisada pelas mídias de massa.

Recursos e sistemas educacionais em contexto de desemprego e subemprego costumam viciar-se na direção única do emprego, assim como, em regiões de urbanismo precário, tende-se a colocar o futuro das crianças a serviço de um progresso numérico, pobre, materialista.

Tais inspirações de nada mais padecem do que da tacanha visão economicista moderna. Por essa corrente, intenta-se ir no repuxo da riqueza, como se a “animalidade” despertada na consecução pragmática da “prosperidade” pudesse, num dado momento do progresso, refletir e refrear-se em busca de um sentido maior para o que se faz… Não cabe esse otimismo: a orientação industrialista é um caminho sem volta; não teremos humanos ao fim desse processo.

Uma cidade pode estar erguida, a rigor dos conceitos urbanísticos mais modernos, e, no entanto, nunca ter alcançado satisfatório grau de “civilização” humanística. O processo que ignora o ser humano, aliás, é o fundo corriqueiro das mais brutais desigualdades.  A Educação, no sentido proeficiente, nobre, é o processo holístico que envolve o ser, desde o ventre materno, até o idoso dignificado, que restou sábio o suficiente para expressar-se e semear sua sabedoria.

A Revolução Silenciosa

A nós que sonhávamos com dar a vida pela ‘revolução tardia’, a História cruelmente se encarregou de demonstrar que é inaplicável o Socialismo, em nível de um Sistema Geral. A razão primeira desse impasse é a caótica humanidade de que dispomos – ninguém poderá construir um edifício sem matéria! Mas, a grande questão é “em que poderá ser revolucionária essa paixão humanística que restou latente dentro de nós?” Este é o dilema dos órfãos da revolução.

Ressalte-se que o grande oponente da mudança – o reacionarismo – agora é outro; ou pelo menos está complexificado na figura hipócrita da Democracia Social, que, até então, apenas tem sociabilizado os lucros do privilégio entre seus pares.

Contrapondo-se a isso, as características de cooperativismo e associativismo podem, e estão aí, a minar as bases de uma democracia neoliberal muitas vezes direcionada ao contrário das funções essenciais do Estado, que é a promoção do bem estar e do desenvolvimento humano. Também a correlação que se tem feito entre Educação e desenvolvimento, no âmbito dos organismos internacionais, tem impulsionado os governos locais ao debate dessa agenda. Está, parcimoniosa, mas é verdade, uma ‘revolução’ social em curso, silenciosa. Ecoando dos rincões, conseqüência dos gritos de opressão e violência. Mal ou bem, os cabrestos têm sido arrancados e duras penas terão que ser pagas pela liberdade, e pelo direito de revolucionar, no alcance da individualidade.

Portanto, extintas as metas radicais do Socialismo Utópico, ainda mais urgentes permanecem os anseios de humanizar o homem. Resta latente o sentimento inquieto na busca da justiça e da igualdade cívica. O grande terreno mundial que se almejou como cenário para a construção da verdadeira harmonia entre humanidades, agora se acha reduzido ao pequeno espaço dos corações e mentes humanistas. Disso salta evidente que a ‘nova revolução’, em seu discreto modo de obsessão, ainda vive, e cada um deve tomar o seu pequeno mundo social, para transformá-lo com o amor – aquele amor que, segundo Ernesto Guevara de La Serna. Move todo revolucionário.

Não é mais o Socialismo de massas iluminadas e pungentes, mas agora são pontos cintilantes de inconformismo. A isso podemos chamar ‘consciência humanística’, em contraposição à inaplicável ‘consciência de classe’. Não se trata, contanto, de apregoar o típico individualismo que condenamos na sociedade de consumo. É somente a crença aplicada de que o homem, no seu íntimo, pode refletir com amor e partir para transformar sua posição. A batalha deve ser travada no nível do espírito, lá onde o capitalismo hedonista foi fazer suas presas. Se o materialismo marxista perdeu em ignorar o subjetivismo da alma humana, nós, com menções de doçura e fraternidade, podemos cooptar o homem através do apelo à sensibilidade. Somente o amor transforma. Sem sangue e sem dor.