O ser humano não tem sido proridade

"Tempos Modernos", com Charles Chaplin

Imagem do filme “Tempos Modernos”, com Charles Chaplin. A obra faz uma crítica bem humorada ao ‘fordismo’, conceito que extrapola a importância das máquinas e da padronização da conduta humana, em busca da meta insaciável de produtividade. Diferente porém do fordismo, a Administração Pública não tem buscado produtividade: busca a submissão do ser humano, em busca do lucro patrimonialista de alguns privilegiados.

Inaugurar um novo ‘prédio de saúde’ não tem sido novidade em Búzios. Imaginemos inaugurar um veículo recentemente adquirido, sem garantir-lhe o condutor e o combustível para andar… Assim é abrir novas ‘portas’ na saúde: despertar demanda sem garantir sua satisfação. A rejeição e o descrédito são garantidos. 

Esse aparente ‘erro’ estratégico não tem motivo técnico, senão político, fundado em vícios de enriquecimento ilícito e de desprezo pelo pessoal de carreira, já que o rodízio do empreguismo é um sustentáculo político muito aceito pela comunidade buziana. E, por outro lado, uma forma de ‘subir de vida’ em Búzios é montar uma empreiteira e… ou trazer uma empreiteira da baixada e…

Essa conduta empobrecedora é deliberada, denunciada pelo índice de investimento público, que não passa de 10% do orçamento geral.

Contraposto a isso tudo, está na contabilidade o conceito de ‘despesas de capital’,  que incluem o investimento (isso mesmo) na qualificação de recursos humanos. Ou seja, investir na mão-de-obra das unidades de saúde tradicionais também seria computado como ‘investimento’, mas esse gasto há 15 anos em Búzios vem sendo ‘0’ (zero). 

A prioridade do parco investimento público é o cimento, o pau, o vidro, a tinta, quase sempre superfaturados, alheios a um planejamento infraestrutural global. Quando muito se compra equipamento, para depois se descobrir inoperante, como uma caro aparelho de ultrassonografia que não tem especialista para operá-lo.

Devemos ter em mente que os serviços públicos são ruins, considerado o alto custo, não por acaso. Há um risco assumido. A prioridade não tem sido o ser humano ─ nem o cidadão, nem o trabalhador público.

Mas por que, perguntarão vocês, o investimento na qualificação das pessoas não é prioridade? Obviamente não há lobistas oferecendo qualificação cara com pagamento de propina ou ‘ajudas’ de campanha a políticos; se sim, seríamos uma referência em qualidade de recursos humanos e a saúde seria bem melhor com os mesmos prédios, apenas reformados equipados e readequados. ─

Um ‘causo’ da minha vida, para quem gosta de ler

Foto: Alessandri Adriano

Aos 18 anos eu trabalhava de vigia num lugar quase descoberto, sem paredes, e precisava forrar o chão com jornal, bem grudado ao motor de um freezer, para não enlouquecer de frio. Era um quiosque de comida alemã, no Shopping do Helion, no Centro de Búzios, que, quando encerrava o movimento, eu vigiava.

Num dia de inverno, à tarde, saí com um amigo, para colocar rede de tresmalho, de fundo, e perdemos a bóia que marca as extremidades dela. Estávamos bem por fora da Ponta da Cruz. O vento virou subitamente para sudoeste, era muito forte e empurrava o barco para o mar alto. Nos desesperamos, pois não podíamos parar de procurar a rede: era emprestada! Além disso não pegamos sequer um peixe para ‘pagar’ o empréstimo. Como o mar estava com ondas grandes, enquanto um remava, o outro deitava no fundo do barco, para não ser atirado para fora. Sei que saímos vencidos, após quatro horas de luta. E tivemos que encalhar na Prainha do Amor. Horas depois, no seguimento da noite, tive que ir para o trabalho mesmo assim, morto e febril.

Estava tão exausto de remar, que dormi um sono pesadíssimo grudado no motor do freezer. Morgado. Moído. Pior: naquele dia só tinha um exemplar de O Peru Molhado para cobrir o Chão. Rachava o frio de setembro. E o dia foi clareando sem eu perceber… Eis que me chega o ‘patrão’, lá pelas 8 horas ( ! ) e se depara com a cena de um “vigia-mendigo”. Dá uns biquinhos com a bota em minhas costelas – ele estava embriagado, e acabara de sair da antiga Pachá. Eu acordo atônito. Cego pela claridade. Ele, um filipino de 2 metros, mira a baixo, faz cara de insatisfação e sai resmungando em seu idioma. Nada disse, porque eram já seis meses de trabalho sem um dia de folga!

Depois desse humilhante episódio, assustado, continuei as pescarias, mas passei a tirar os cochilos inevitáveis sobre um balcão de aproximadamente 20cm de largura por 90cm de comprimento, à margem do corredor; só tinha medo de dormir e cair. Pessoas passavam e viam aquele ser incógnito equilibrado sobre o nada… Talvez eu fosse julgado como mal trabalhador, não como um bom sobrevivente.

E assim passei momentos em que minha consciência do mundo foi se formando ‘subterraneamente’. A gente é fruto das agruras, como uma pedra redonda, que já rolou pelo mundo. Hoje, quando ouço a lenga lenga dos saudosistas buzianos, eu fico me perguntando, se tenho mesmo saudades, e de quê.

Obviamente tenho um desejo de ver nossa História documentada. Só tenho medo da maquiagem, porque dizem que a historiografia da ‘guerra’ é monopólio do vencedor.  ♦♦♦