Quando o político escolhe a morte em vez da vida

No cotidiano de suas escolhas, muitas vezes ao político cabe decidir indiretamente entre a vida e a morte, e ele conclui, pasmem, optando pela morte. Veja se não é assim o caso da falta de vagas em unidades de tratamento intensivista (UTI), para pacientes assistidos no hospital municipal de Búzios.

Ocorre que, desde o início do governo Toninho Branco (2005), o Dr. Taylor, secretário de saúde, preferiu não assumir as despesas deixadas pelo governo que o antecedeu, que não passava ali de cento e poucos mil reais. E as UTIs privadas, que tantas vidas ajudaram a salvar, caíram numa espécie de lista abjeta, sendo gradativamente caloteadas. Não custa lembrar do caso envolvendo o neto de um conhecido comerciante de Manguinhos, que comoveu toda a Cidade, quando o bebê veio a falecer obscuramente, “aguardando vaga”…

Logo depois, quando o Dr. André Granado assumiu a Secretaria de Saúde, nos idos de 2006, não agiu diferente: as UTIs continuaram como item a ser economizado.

O suplício só veio aumentando, com ‘economias’ cada vez maiores, como se a sobrevivência de pessoas fosse um item a ser cortado, enquanto as terceirizações de outros segmentos avançam questionavelmente contra as finanças públicas, sem garantir eficiência. E o antigo secretário ─ André Granado ─ atualmente é o prefeito. Ou seja: não lhe falta informação nem conhecimento de causa.

E para resumir o drama, o cenário hoje então é este: o paciente que precisa de cuidados intensivistas permanece numa unidade intermediária – UI – do Hospital de Búzios aguardando a vaga surgir nos poucos hospitais credenciados pela Secretaria Estadual de Saúde. Coloca-se o nome do paciente lá e pede-se à família que reze, que bata um tambor ou acenda velas, ou ainda, que procure um político influente.

Pesquisando o gasto com UTIs, depois de 2000 até a fundação do hospital, descobrimos que a saúde nunca pagou mais do que 300/400mil reais por ano com essas internações necessariíssimas. Mas os secretários de saúde e o prefeito lavaram e lavam as mãos: “a obrigação é do Estado”.

E é de se maquinar na mente como essa gente põe a cabeça no travesseiro, e se consegue dormir em paz simplesmente com a tese dúbia de que “não pode fazer nada”, pois “as vagas são reguladas pelo Estado”.

Perguntamos: o poder público não tem a vida como o maior bem a ser tutelado? Qual o valor da vida, para a classe política que nos infesta? Quantos mais terão que morrer, e quantas vezes mais teremos que deixar profissionais da área de saúde – médicos e enfermeiros – numa sinuca de bico ética e técnica, pois os recursos do hospital são escassos em muitos casos graves? Até quando o trabalhador da Saúde terá que se contrapor às famílias, compreensivelmente cheias de angústia, por culpa de um sistema desumanizado?

A esta altura vamos ao paradoxo que inspira o título do artigo: ocorre que o governo, embora rechace o gasto dessa soma com a manutenção da vida, não teve o mínimo pudor de chegar alugando 4 (quatro) ambulâncias ao custo de mais de 1 milhão por ano! Este é apenas um exemplo. Ou seja, entre gastar 300 mil com UTI, prefere-se gastar mais de 1 milhão com ambulâncias alugadas como se UTI fossem, mas que, segundo relatos de profissionais, em diversos momentos, não estavam sequer aparelhadas para simples remoção!

Resumindo: quando se prefere gastar com terceirizações de serviços-meio a gastar com UTIs, abandona-se a vida e opta-se pela morte.

Idoso enfermo

_________

Nota: cabem aqui dois esclarecimentos. Primeiro: nem todos os casos graves têm indicação de UTI. Segundo: o serviço intensivista, quando indicado, nem sempre será capaz de manter ou recuperar a saúde.

O ser humano não tem sido proridade

"Tempos Modernos", com Charles Chaplin

Imagem do filme “Tempos Modernos”, com Charles Chaplin. A obra faz uma crítica bem humorada ao ‘fordismo’, conceito que extrapola a importância das máquinas e da padronização da conduta humana, em busca da meta insaciável de produtividade. Diferente porém do fordismo, a Administração Pública não tem buscado produtividade: busca a submissão do ser humano, em busca do lucro patrimonialista de alguns privilegiados.

Inaugurar um novo ‘prédio de saúde’ não tem sido novidade em Búzios. Imaginemos inaugurar um veículo recentemente adquirido, sem garantir-lhe o condutor e o combustível para andar… Assim é abrir novas ‘portas’ na saúde: despertar demanda sem garantir sua satisfação. A rejeição e o descrédito são garantidos. 

Esse aparente ‘erro’ estratégico não tem motivo técnico, senão político, fundado em vícios de enriquecimento ilícito e de desprezo pelo pessoal de carreira, já que o rodízio do empreguismo é um sustentáculo político muito aceito pela comunidade buziana. E, por outro lado, uma forma de ‘subir de vida’ em Búzios é montar uma empreiteira e… ou trazer uma empreiteira da baixada e…

Essa conduta empobrecedora é deliberada, denunciada pelo índice de investimento público, que não passa de 10% do orçamento geral.

Contraposto a isso tudo, está na contabilidade o conceito de ‘despesas de capital’,  que incluem o investimento (isso mesmo) na qualificação de recursos humanos. Ou seja, investir na mão-de-obra das unidades de saúde tradicionais também seria computado como ‘investimento’, mas esse gasto há 15 anos em Búzios vem sendo ‘0’ (zero). 

A prioridade do parco investimento público é o cimento, o pau, o vidro, a tinta, quase sempre superfaturados, alheios a um planejamento infraestrutural global. Quando muito se compra equipamento, para depois se descobrir inoperante, como uma caro aparelho de ultrassonografia que não tem especialista para operá-lo.

Devemos ter em mente que os serviços públicos são ruins, considerado o alto custo, não por acaso. Há um risco assumido. A prioridade não tem sido o ser humano ─ nem o cidadão, nem o trabalhador público.

Mas por que, perguntarão vocês, o investimento na qualificação das pessoas não é prioridade? Obviamente não há lobistas oferecendo qualificação cara com pagamento de propina ou ‘ajudas’ de campanha a políticos; se sim, seríamos uma referência em qualidade de recursos humanos e a saúde seria bem melhor com os mesmos prédios, apenas reformados equipados e readequados. ─