¿Sabe aqueles livros poeirentos, aquela sala obscura chamada biblioteca? ¿Sabe aquela senhora impoluta mexendo em papéis, zelando por livros (uma coisa que geralmente se trata com desdém)? ¿Lembra-se daqueles volumes marrons e espessos, que enfeitaram muita casa de bacana e nunca foram mexidos, com aquelas folhas de letrinhas miúdas e títulos cifrados? Pois é: esse foi meu Mundo, essa foi a minha Escola — porque Educação mesmo eu tive à altura das canelas de meus pais. E depois de passar pelo Mundo eu terei resgatado para a vida muito do Humanismo dos mortos. Eu terei ressuscitado muitas mentes criadoras, na pessoa de suas idéias vivas, e terei continuado outras obras do pensamento — eu farei o Homem ser, em espécie, ETERNO. Ora, este não é um papel exclusivo de santos e ascetas ─ é uma tarefa para muitos, senão para todos.
Aliás, como o antigo pensador, eu amei mais os mortos do que os vivos. Dialoguei com eles, tomei café na minha sala antiga, onde eles se sentiriam muito bem! Em companhia deles olhei a gaivota feliz sobre a Praia do Canto e o albatroz triste por seu mergulho frustrado…
Eles, os mortos, ensinam sem pretensões, fazem esse bem sem salário, sem olhar a quem, afinal, eles não precisam de alimentos ou remédios para sobreviver. São os mortos ─ pasmem ─ quem mais sabe sobre a vida. E eu me desenvolvi assim: sugando a vida onde quer que ela esteja. Ela está desprezada nos livros, no Mundo do pensamento, da contemplação e da Natureza. A vida está nas pessoas que não a consumiram para pagar um sucesso sem substância.
Sim. Mas e os vivos? Os vivos precisam de compreensão e amor; precisam renunciar em parte a pretensão insana da “felicidade”, e precisam, finalmente, dar ouvidos a quem já viveu. Veja, olhando agora os milênios de História, olhando os bilhões de escritos, o avanço da capacidade racional do Homem, então hoje é factível entender por que Sócrates disse “nada sei”… Mas é preciso lembrar que Sócrates morto sabe mais do que um milhão de vivos, que passam ao nosso lado sem sequer suspeitar o valor da Humanidade. (D.S.B).