Paula Fernandes e o Sentimento do Fado

Eu estou há algum tempo invejando comigo as fadistas portuguesas, estas que ouço meio às escondidas, porque, ao me virem fazê-lo, certamente perguntarão se estou apaixonado, e terei que ser enfático na negativa, contrariando expectativas triviais. A música no Brasil, desde a ritualística africana, sempre esteve atrelada a atributos funcionais: música pra dançar, música pra invocar, música pra amar, etc.

No entanto, nota-se que as culturas mais amadurecidas há muito descobriram o puro ‘sabor’ estético das canções. Neste sentido, estranho que o sentimento sincero do fado não tenha mais importância nas terras coloniais de Portugal, notavelmente nesta chamada Brasil. Acredito que, por acidente de percurso, ou conveniências, resolvemos importar só os vícios de lá.

De minha parte, adoro o minimalismo instrumental, na escala harmônica executada ao violão e banjo, com seus ‘choros’ entre um e outro soluço da intérprete emotivada; adoro os silêncios que intercalam as falas balbuciadas à boca miúda; adoro tentar desvendar uma língua que falo, mas dita por uma alma embebida de outras experiências; adoro, em especial, o sentimento das fadistas mais ‘modernas’, como Mariza, Ana Moura, Raquel Tavares e Dulce Pontes. Gosto, especialmente, de Adelaide Ferreira, cujo estilo popular, mesmo que não se possa chamar de Fado, no sentido ortodoxo, ainda traz ‘sotaque’ fadista. Esta ouço comumente. Sua roupagem instrumental é realmente mais atual, e o sentimento é igualmente dramatúrgico.

Voltando ao início do artigo, a inveja se minimiza no momento em que sou surpreendido pela melodiosidade dramática de nossa excelente intérprete brasileira Paula Fernandes. Meu Deus, a voz é divina! Uma voz que finca raízes nas distâncias psicológicas; que traz pronúncias cheias de sentido. Espero seja esta jovem entendida, pra que não caia na vala comum dos ‘bregas’.

Esta cantora é exatamente uma intérprete, do porte de Alcione, Elis e a pirada Janis Joplin. Entenda que o ‘absurdo’ de se correlacionarem estes nomes, de tão díspares estilos, se dissipa quando se prova que estas pessoas cantam com a alma, vestem a letra.

Outra coisa interessante no fado é sua identidade costeira-marítima, porque nós, de Búzios ou Florianópolis, também somos povos tipicamente costeiros, compostos por homens do mar, de mulheres que esperam na praia, de crianças que mal sonham, por não ter com o que sonhar — foi assim nossa realidade histórica.

Recomendo em especial o ”Fado Português”, na voz de Dulce Pontes, onde é contada a história poética do surgimento do fado e cujo video emociona, pela cenografia histórica. Assistam aqui:

No mais, deixo outros links para canções de artistas citados acima:

Adelaide Ferreira: Dava Tudo  |  Ana Moura: Os Búzios   |  Raquel Tavares: Rosa da Madragoa  | Raquel Tavares: Olhos Garotos  | Mariza: Barco Negro.