Sobre assassinos e seus cúmplices

A vida é o supremo valor humano. Por isso mesmo temas como aborto, pena de morte e eutanásia são tabus em todas as sociedades e provocam cisões de opinião mesmo aqui em nossa comunidade pluri-pseudocristã.

Causa estranheza no entanto quando a morte antinatural é administrada com sutileza, no âmbito de um sistema de saúde decadente como o nosso, sem que isso desperte maiores alardes, inclusive naqueles primeiros defensores radicais da vida. É mais fácil, depois de um falecimento injusto e evitável, se ouvir a famosa frase preguiçosa — deus-sabe-de-todas-as-coisas — como forma de consolação. Ora bolas! tanto Deus sabe quanto nós mesmos, de muita coisa. Sabemos inclusive que a corrupção em Búzios, casada à incompetência gerencial, veio e vai matando gente, sob nossos narizes

Quando esse senhor, médico por sinal, assumiu o poder em Búzios, havia no hospital municipal um sistema de resgate denominado APH (algo como atendimento pré hospitalar), que abrangia desde o pedido de socorro, recebido por pessoas treinadas, no telefone 192, até o atendimento doméstico, ressuscitação, etc. Esse serviço salvava vidas, e não importava se meia dúzia de pessoas não gostasse dele, o achasse caro. Batia recordes no tempo de resgate a cada dia; havia suporte material e de pessoal especialmente treinado para dirimir cada vez mais o tempo de resgate, pois em emergência tempo é vida.

Ocorre que, não sei se por inveja, por desumanidade, incompetência, ou por tudo junto, aquela estrutura foi grosseiramente aniquilada em 2013. Enfermeiros resgatistas — inclusive recém concursados — foram desviados de função, o ambiente virou aposentos de enfermeiros e depósito de tralhas, o telefone está desde então sem atendimento dedicado, fez-se como os romanos fizeram ao templo de Jerusalém: arrancaram até os alicerces!

O programa havia mostrado que os profissionais da nossa rede têm um enorme potencial, mas que só foi e é possível gerar excelência com treinamento constante, profissionalização e investimento em pessoas.

Atualmente, cidadãos morrem, repito: morrem, enquanto muitas vezes o telefone de socorro sequer é atendido. Quando se dá sorte de ser atendido por uma boa alma, a espera pelo resgate é mortal, como no caso do turista que foi a óbito em plena via. Noutras vezes, a falta de equipe ou de ambulância causa um jogo de empurra-empurra entre a emergência municipal e os bombeiros, que pouco podem fazer, pois nosso quartel serve até Unamar.

Em resumo, chamo atenção para essas formas de morte mais numerosas e evitáveis do que abortos e eutanásias: tem gente sendo “abortada” indiretamente sob nossos narizes. A corrupção, a desumanidade e a inépcia gerencial matam mais do que as guerras. •

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“Clamamos pela Vida”: Populares protestam na região da Policlínica, contra mortes ‘inexplicadas’ no Hospital Municipal, em 2015. (FOTO: autoria desconhecida).